quarta-feira, dezembro 28, 2005

Apostas e expectativas

Mais do que longas considerações sobre os ‘fundamentals’ de certo negócio, o sucesso dum investimento financeiro depende da análise adequada das expectativas de mercado.

A analogia do mercado de investimentos com os jogos de casino é conhecida. Quer o bom jogador de poker, quer o bom investidor, têm de ter o sangue frio de parar de apostar quando já fizeram ganhos suficientes, e de desistir de tentar recuperar as perdas quando estas ocorrem repetidamente. Em ambos os casos, a “sorte” ou “imprevisibilidade” têm algum papel. A diferença essencial está na assimetria informacional existente entre as partes envolvidas. Num jogo de poker, só algumas cartas estão à vista de todos. Ao invés, num mercado de investimento onde sejam respeitadas as leis sobre ‘inside trading’, todos têm à sua disposição a mesma informação. Como ela é absorvida de forma quase imediata, de pouco vale perder demasiado tempo a digeri-la. Importa sim atender às reacções do mercado. A opinião que se tem sobre certo activo é importante, mas não suficiente, por uma razão simples: o seu valor não depende apenas dos ‘fundamentals’ do negócio mas também da sua “percepção” no mercado.

Há uma passagem na Teoria Geral de Keynes onde o economista ilustra esta ideia de forma brilhante: «A decisão de investimento pode ser comparada aos concursos de jornal em que os leitores são convidados a escolher as 6 caras mais bonitas de entre 100, indo o prémio para o leitor que tiver a escolha mais próxima da média de todos os leitores; assim, cada um terá de escolher, não as 6 caras que acha mais bonitas, mas aquelas que ele acha mais provável recolherem a preferência dos restantes leitores, os quais olham para o problema da mesma forma. Não se trata de escolher as caras que achamos mais bonitas, nem sequer aquelas que a opinião média considerará mais bonitas. Chegamos ao terceiro nível em que devotamos a nossa inteligência a antecipar o que a opinião média espera que a opinião média seja. E há alguns que, creio, praticam o quarto, quinto e sexto graus.»

A analogia de Keynes é adequada sobretudo para investimentos de curto prazo, dado que quanto mais longo o período de investimento maior a importância relativa dos ‘fundamentals’ - a ideia de que “a verdade vem sempre ao de cima” tem algum sentido neste contexto. Mas pensar que para cada activo existe um valor absolutamente “objectivo” é perigoso, porque o valor não é algo estanque nem que exista independentemente das opiniões dos investidores. No fundo, o lado estratégico do mercado de investimentos faz com que o sucesso dum investidor dependa não apenas do “saber” – mas sobretudo do “saber jogar”.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

SIDA e Economia

Deve o estado subsidiar o preço dos preservativos? Que política sobre SIDA?

A decisão sobre o uso do preservativo é uma decisão feita num ambiente de incerteza. A escolha depende basicamente da avaliação dos custos financeiro e hedonista face ao benefício duma menor probabilidade de adquirir o HIV. Sempre que alguém usa um preservativo diminui a probabilidade sua ou do seu parceiro de contágio. Mas não só. Diminui também a probabilidade de contágio de futuros parceiros de ambos. E dos parceiros desses parceiros.

Este efeito “bola de neve” significa que existe uma “externalidade” positiva para futuros parceiros. A forma de corrigir esta “falha de mercado” é subsidiar a actividade que a gera. Tal como se justifica subsidiar os atletas que representam um país – pelos benefícios auferidos por terceiros – também se justifica o subsídio aos preservativos. Estes devem ter um preço quase simbólico, ainda que não nulo, de forma a evitar o desperdício.

A avaliação correcta do risco envolvido numa relação sexual desprotegida é uma questão complexa porque existe elevada “assimetria informacional”. Não há certezas quanto aos comportamentos sexuais passados do outro. Isto faz com que o uso de preservativos tenha um “retorno” subavaliado para o indivíduo que o usa – em termos afectivos, de dedicação do outro, etc. Não é fácil “premiar” eficientemente comportamentos que se desejam mas sobre os quais é difícil fazer prova.

Há ainda outra questão. Como os actos passados não são observáveis, cada um tentará identificar características no outro que sejam indicadores razoáveis do seu risco. Isto torna racional falar-se em “grupos” e não apenas em “comportamentos” de risco, porque o “risco médio” de certos grupos é uma estatística útil para essa decisão.

Dados recentes sobre Portugal indicam que 65% de infectados foram-no por via heterossexual, 10% por via homossexual, e 18% por toxicodependência. Cingindo-nos às contaminações por via sexual, obtemos 87% e 13%. Ou seja, 7 em cada 8 infectados por via sexual foram-no hetereossexualmente. Estes valores são muito diferentes dos de há anos atrás, e indicam que o risco médio nas duas populações não difere muito nos dias que correm.

Um estado que respeite a esfera privada de cada um devia apostar na informação. Sobre os riscos inerentes a diferentes comportamentos sexuais. Mas alguém imagina um anúncio a dizer que comportamento A é menos arriscado que B? É bem mais cómodo fechar os olhos à realidade e fazer recomendações generalistas. O paternalismo apetece. Se lhe juntarmos o politicamente correcto e um certo pudor sobre informação sexual, obtemos uma receita explosiva para um agravamento nos números da SIDA, de forma consciente – e despudoradamente.