quarta-feira, janeiro 09, 2008

'Citizen' Cadilhe

A situação no BCP complicou-se de tal forma que já não se tratava de encontrar um “sucessor”, mas um “salvador”.

Recuemos 10 anos, para o BCP dos anos 90. Pensando numa hipotética crise futura de liderança, quem se vislumbraria como sucessor do banco? Muita gente, seguramente; nunca o líder do principal banco concorrente. Menos ainda se este, ainda que competente, tivesse sido nomeado pelo Governo. Não é preciso ler Weber, basta algum bom senso. Dirão alguns: a situação complicou-se de tal forma que já não se tratava de encontrar um “sucessor”, mas um “salvador” – e quem melhor do que o líder da concorrência para essa missão?

Accionistas menos ligados à história do BCP, como o BPI ou o turbo-especulador Berardo, terão pensado assim. A solução que encontraram, e o modo como a ela chegaram, resulta numa machadada na nossa frágil economia. Olha-se para o próprio umbigo, e no curto prazo. Típico das nossas elites. Quem, podendo, se ri de tudo isto é Salazar. A ideia de uma “alma lusa” carente do proteccionismo estatal e fadada para uma sociedade oligárquica ganha um novo fôlego.

Vítor Constâncio, depois de um certo adormecimento, dá um murro na mesa, varrendo várias personalidades por atacado (...), depois contesta o que todos interpretaram das suas palavras. Resultado: um desnorte que se lhe desconhecia.

Miguel Cadilhe avançou para a liderança do BCP. Fê-lo depois de comentar a actuação do Governador do Banco de Portugal neste caso. Pairavam suspeições sobre a sua pessoa, era necessário fazê-lo. Num primeiro momento, e depois de um certo adormecimento, Vítor Constâncio dá um murro na mesa, varrendo várias personalidades por atacado. Num segundo momento, respondendo às críticas entretanto surgidas, afirma que não tinha dito o que outros interpretaram. Resultado: um desnorte que se lhe desconhecia. De há um par de anos para cá observa-se distância da sua parte, não justificável com a discrição e a contenção que o seu cargo exige. Percebe-se um certo cansaço, algum enfado com o seu ‘métier’. O protagonismo que subitamente resolveu ter na crise do BCP talvez não seja a excepção a isso: talvez seja a consequência disso.

Faltam seis dias para a assembleia geral do BCP. Será que a CGD e a EDP se absterão? Haverá voto secreto? Paira uma terceira dúvida: caso Cadilhe vença, o que acontecerá aos ex-administradores da CGD da lista alternativa? É justo que uma quota importante – ainda que minoritária – da tripulação de um barco em apuros convide pessoas confortavelmente instaladas para tomarem o seu leme e depois estas acabem à deriva, porque a maioria da tripulação no final optou por outra chefia? Onde houve – se houve – imprudência? É isso a “ética de mercado”? No tempo de Salazar não era assim.