sábado, dezembro 22, 2007

Uma estrela em 2007

As estrelas raramente se escolhem. Aparecem, ou não; o seu brilho desperta-nos um sorriso, ou não; e é tudo.

É uma das leituras mais interessantes da nossa imprensa. Um católico que, entre estimulantes reflexões filosóficas, nos fala de liberdade, de tolerância, de esperança, de amor. Uma voz que, suspeito, não conquistará muitas simpatias no espaço à direita do centro político – um espaço difuso que, apesar de pontuais assomos liberais no discurso, na prática se mantém demasiado próximo da (velha) “direita sociológica” de que fala Jaime Nogueira Pinto. E isso porque não partilha certos “inimigos comuns” desse espectro político. Não se lhe vê a inclinação para disparar contra eles – ou contra quem quer que seja – da forma obsessiva e “a-racional” que caracteriza a lógica de facção, que torna a guerra de 1914-1918 uma imagem absurdamente recorrente para caracterizar a vida na nossa “polis”.

O colunista que leio fielmente e com gosto aos Sábados, no “DN”, defendeu, de forma inspirada – e inspiradora –, discreta mas assertiva, um “Sim” moderado no referendo à despenalização do aborto que teve lugar em Fevereiro deste ano. Coisa estranha para um católico? Estatisticamente, sem dúvida que sim. Lida a substância dos seus textos, a estranheza diminui. Percebe a tensão do dilema moral, não se duvida do humanismo da decisão, alheio a tricas políticas ou partidárias. Num tempo de radicalização dos discursos, de ênfase nauseante e quantas vezes irreflectida em determinados valores “absolutos”, duas mensagens de Isaiah Berlin sobressaem: a centralidade do conflito de valores numa sociedade civilizada e o valor da pluralidade. Coisas que – aceite que esteja a “naturalidade” desse conflito e a ideia de que não é necessário resolvê-lo, mas sim desejável aprender a viver com ele – convidam ao diálogo, que pressupõe uma boa dose de simpatia, vontade de conhecer o outro, as suas ideias, os seus valores, os seus preconceitos, as suas ambições, os seus medos. Uma vontade de construir pontes, de fazer do mundo um lugar mais próximo.

Estamos a três dias do Natal, mas não é por isso que destaco o padre e professor de filosofia Anselmo Borges. Nem o faço, de facto, por qualquer motivo fundamentalmente racional. As estrelas raramente se escolhem. Aparecem, ou não; o seu brilho desperta-nos um sorriso, ou não; e é tudo.