quarta-feira, setembro 19, 2007

“Os melhores”

“Os melhores” em certas profissões não serão necessariamente os melhores políticos. Se calhar não serão sequer bons.

Ninguém pode negar que a nossa vida política está cheia de interesses mesquinhos e gente pequena. Não surpreende, por isso, que se ouça um pouco por todo o lado que é necessário atrair “os melhores” para a política. Repare-se na expressão escolhida: usa-se o superlativo “os melhores” em lugar do (mais modesto) comparativo “melhores do que”. Esta diferença não é despicienda e merece alguns comentários.
Primeiro, “os melhores” em certas profissões não serão necessariamente os melhores políticos. Se calhar não serão sequer bons. O exercício de um cargo político exige qualidades nem sempre relevantes para o sucesso profissional noutras áreas. (Basta pensar em casos recentes de excelentes profissionais que se revelaram políticos inaptos.) De entre essas qualidades está, por enquanto, um espírito de missão que não tem de existir noutras ocupações.

A retórica de trazer “os melhores” para a política acaba 
por funcionar como uma desculpa para não fazer nada. 
Fica o 'soundbyte'.

Segundo, a preocupação meritocrática patente neste tipo de discurso carece de um desconto, pois aparece hiperbolizada, por pelo menos duas motivações, possivelmente inconscientes: a procura de reconhecimento inter-pares (“os melhores apreciarão o que eu digo e procurarão que eu me junte a eles”) e o reforço da imagem positiva de si próprio (“se digo isto é porque sou ou estarei perto de ser um desses melhores”).
Terceiro, quando se fala em atrair “os melhores”, está-se muitas vezes a sugerir, em simultâneo, (1) que o que temos hoje não serve para nada e (2) que seria bom que surgisse alguém especialmente preparado (3) que conseguisse mudar o estado das coisas. Ou seja, uma tríade de derrotismo, culto sebastianista do homem providencial e preferência por grandes rupturas em vez de pequenas reformas.
Não me interpretem mal. Também quero viver num país melhor, liderado por pessoas mais capazes. Acredito que as elites têm um papel e uma responsabilidade fundamentais nessa evolução. Mas observo que a retórica de trazer “os melhores” para a política acaba por funcionar como uma desculpa para não fazer nada. Fica o ‘soundbyte’, transformado em “linha orientadora” ou “objectivo a longo prazo” de quem o usa. As mudanças fazem-se passo a passo, com realismo. Precisamos de pessoas melhores na política, ponto. Os melhores serão sempre bem-vindos se vierem por bem.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Novas oportunidades?

Com um empréstimo na mão, ou no horizonte, torna-se mais fácil optar pela universidade academicamente preferida.

Tudo o resto constante – propinas, acção social, bolsas de mérito –, a ideia de o Estado se constituir como garante de empréstimos bancários a estudantes universitários (até ao montante de 25 mil euros) alarga as suas possibilidades de escolha, que não se resumem à escolha dual entre seguir ou não os estudos. Com um empréstimo na mão, ou no horizonte, torna-se mais fácil optar pela universidade academicamente preferida (ainda que implique custos de subsistência mais elevados), comprar livros em vez de tirar fotocópias ou participar no programa Erasmus. Os críticos que sublinham a crescente desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino superior têm, no mínimo, o demérito de não valorizar suficientemente a diferença que um empréstimo pode fazer para cada um dos seus beneficiários.

Não nascemos todos iguais. Cada um tem os seus talentos, aptidões e gostos. A escolha de prosseguir estudos universitários é uma decisão de valorização pessoal complexa.”Democratizar” o ensino superior significa que um aluno que tenha capacidades académicas suficientes não pode ficar de fora por motivos financeiros. Não significa que “qualquer” aluno tenha direito a esse grau de ensino. Veja-se o que se passou nas recentes décadas, com a proliferação de cursos e de universidades privadas de qualidade duvidosa. Qualquer curso que não assegure a aquisição de conhecimentos nem seja capaz de sinalizar a qualidade intrínseca dos alunos que o frequentam é um desperdício. A excelência paga-se. Desejavelmente, também se premeia. Propinas mais altas, pagas por quem pode, a par de uma maior acção social (recebida por 20% dos alunos em Portugal, 85% em Inglaterra) e de bolsas de mérito, são parte do longo caminho a percorrer.

”Democratizar” o ensino superior significa que um aluno que tenha capacidades académicas suficientes não pode ficar de fora por motivos financeiros.

Nada disto nos faz esquecer que a luta por melhores “oportunidades”, de que tanto se fala hoje, passa muito pelo combate, a montante, à iliteracia (tarefa para uma ou duas gerações) e ao abandono escolar. Há cerca de um ano, Cavaco Silva apadrinhou a iniciativa “Empresários Pela Inclusão Social”, encabeçada por João Rendeiro, que se propunha ajudar a atacar o segundo problema. Desde então, pouco ou nada se sabe sobre o que tem (ou não) sido feito e o seu sítio (www.eis.pt) ainda está em construção. É pena, porque quanto menor a notoriedade, mais ciclópica esta missão se torna.