quarta-feira, março 21, 2007

Alternativas liberais

Há uma segunda alternativa liberal para Portugal: o aparecimento de um “movimento político aberto e reformador”.

Uma política liberal passa, entre outras coisas, pela defesa do “cheque-ensino”, de uma política de saúde mais baseada em contas individualizadas, complementadas por um seguro comum, e de certos direitos para os casais homossexuais. Maior liberdade económica, sem excessos neo-liberais, mas sem medo de reformar; e maior liberdade na esfera dos costumes, sem exageros fracturantes, mas sem tremores de sacristia – é o que exigem a defesa da liberdade individual e da dignidade humana.

As novidades programáticas que Paulo Portas apresentou na entrevista (mediocremente) conduzida por Judite de Sousa resumiram-se a brevíssimas alusões ao ambiente e à cultura. De um novo discurso, assumidamente liberal, zero. Mas a verdade é que, com ou sem este ou outro Portas, o CDS-PP nunca poderá ser uma alternativa propriamente liberal e eficaz. Na política, conta a “percepção”. E a “marca” CDS-PP tem duas marcas inapagáveis: a defesa intermitente e habitualmente oportunista de políticas liberais na economia; a defesa intransigente e legitimamente beatífica de políticas iliberais nos costumes. Um CDS-PP liberal, só em sonhos.

Com ou sem este ou outro Portas, o CDS-PP nunca será uma alternativa propriamente liberal e eficaz.

Poderá o PSD - o partido onde cabe quase tudo - constituir uma alternativa liberal? Talvez. Mas sejamos pragmáticos. Santana Lopes não é alternativa para nada. Logo, também não o serão Sarmento e Arnaut. Jardim não tem lugar num partido que se dê ao respeito. Menezes foi o “génio” que viu em Sócrates o grande derrotado de 11/2. Rio gera demasiada animosidade. Ferreira Leite é excelente como tesoureira. Borges é um equívoco. A Marcelo ninguém acudirá se gritar “Fogo!”.

Sem apertar muito as malhas da rede, sobra um nome apenas: Paula Teixeira da Cruz. Com os defeitos que conhecemos, mais os que não conhecemos, fica, das suas intervenções, a ideia de que com ela se poderia construir um novo PSD - menos estatizante, mais liberal, mais tolerante. A incerteza quanto às suas ideias e capacidades permite dizer isto e só isto: merece o benefício da dúvida.

Há uma segunda alternativa liberal para Portugal: o aparecimento de um “movimento político aberto e reformador”, como sugeriu Rui Ramos (Público, 07-03-07). Haverá espaço? Vontade? Meios? Não há melhor resposta que o remate do historiador: “não é só porque uma coisa é necessária que tem de aparecer.”

quarta-feira, março 07, 2007

Da selecção amostral

O “tipo” de leitor que, em geral, não gosta de responder a inquéritos dificilmente responderá a um que seja.


Imagine que um jornal pede aos seus leitores que respondam, por correio normal, a esta pergunta: gosta de responder a inquéritos publicados em jornais? Assumindo que não há electrodomésticos em sorteio, o que espera o (meu) leitor que aconteça? Seguramente, que todas as respostas sejam afirmativas: o “tipo” de leitor que, em geral, não gosta de responder a inquéritos dificilmente responderá a um que seja.

É o exemplo clássico de “selecção amostral” – o problema de obter uma amostra não representativa da população em estudo. Outro exemplo: os inquéritos de Kinsey sobre sexualidade. Como não suspeitar que, nos indivíduos voluntariamente entrevistados, exista uma sobrerepresentação de libertinos e exibicionistas e uma subrepresentação de conservadores e pudicos? A causa do problema reside na diferença de incentivos que distintos “tipos” de indivíduos têm para participar no mecanismo de extracção de informação proposto.

Os resultados do programa “Os Grandes Portugueses” 
nunca serão estatisticamente representativos.

Os resultados do programa “Os Grandes Portugueses” não são necessariamente representativos das preferências dos portugueses porque (I) pode haver voto estratégico dos que votam – como vimos há 15 dias; (II) os que decidem votar podem não constituir uma amostra representativa da população. Não custa a entender que algumas franjas extremistas – e uso a palavra num sentido “descritivo”, e não de “crítica” – sintam uma pulsão maior que as franjas moderadas para empurrar os seus ídolos para uma liderança inicial, mais ainda quando se antecipa que a disputa final do primeiro lugar acontecerá entre os dois candidatos que consigam essa vantagem inicial. Acresce que a capacidade de mobilização de organizações extremistas é, também ela, desproporcional. Por tudo isto, ter Cunhal e Salazar como possíveis vencedores deste “jogo” não é assim tão surpreendente.

As duas ideias a reter deste texto sobrevivem para lá dos exemplos oferecidos. Primeiro, sempre que a recolha de informação dependa da vontade em participar, por parte dos elementos da população em estudo, devemos ter em conta os incentivos que os vários “tipos” de indivíduos têm nessa “auto-selecção” amostral. Segundo, se esses incentivos forem assimétricos, os resultados obtidos poderão ser muita coisa – interessantes, um convite à reflexão, até uma boa aproximação à realidade –, mas nunca serão estatisticamente representativos.