quarta-feira, janeiro 23, 2008

O fumo dos outros (II)

Os requisitos “técnicos” para que se evite o dano causado pelo fumo prevalecem sobre eventuais motivações “políticas”.

As restrições da nova lei do tabaco não são propriamente pioneiras no mundo que nos é mais próximo. Onde se permite o fumo, exige-se ventilação suficiente, tal como se exige uma insonorização decente onde se permitem decibéis elevados. Porém, os estabelecimentos com mais de 100m2 não podem ter uma área de fumo superior a 30%. Dizem que as regras estritas sobre as áreas de fumo ostracizam os fumadores, o que é a mais pura das verdades. Contudo, isso resulta da “natureza” do próprio fumo (que se entranha antes sequer de o estranharmos): a eventual “vontade” de ostracizar A ou B é desnecessária para o efeito. Dito de outro modo, os requisitos “técnicos” para que se evite o dano causado pelo fumo prevalecem sobre eventuais motivações “políticas”.

Mas será legítimo limitar a liberdade de escolha dos proprietários de certos estabelecimentos? Aos anti-tabagistas mais agressivos nem ocorre esta questão. Eles querem poder jantar em qualquer sítio sem serem incomodados pelo fumo, ponto final. O dono do restaurante “está lá para servi-los” – é assim que muitos entendem a propriedade privada no nosso país. De modo análogo, muitos tabagistas preocupam-se com pouco mais do que com o seu interesse próprio. É verdade que falam na liberdade de escolha dos proprietários, mas, depois de décadas a falar do “fumo passivo” com pouco mais que puro desdém (e porque o “poder” estava com eles), só um ingénuo lhes reconhece autoridade na discussão.

Para os puristas do liberalismo, a proibição de fumar em padarias, supermercados ou hospitais privados será sempre um sinal de totalitarismo.

Há quem genuinamente ache que os proprietários deveriam ter total poder de decisão sobre tudo o que se passe no seu estabelecimento (incluindo impossibilitar a entrada a indivíduos de uma dada origem, dispensar o cumprimento de regras de higiene, etc). São os puristas do liberalismo. Para eles, a diferença entre certos estabelecimentos abertos ao público em geral – como cafés, pastelarias ou restaurantes – e a própria casa ou um clube privado é nula. A propriedade privada é tudo o que importa, pelo que mesmo a proibição de fumar em padarias, supermercados ou espaços partilhados de escolas ou hospitais privados será sempre um sinal gravíssimo de totalitarismo.

Já aqui escrevemos que a nova lei do tabaco enferma de um paternalismo perigoso (“O fumo dos outros”, 28-06-2006). É desejável que a liberdade de escolha dos proprietários aumente a médio prazo. Feitas as contas, se as actuais regras são a forma possível de questionar o domínio desproporcional que o fumo tem tido na nossa sociedade, o balanço – hoje – é menos negativo do que algumas almas rabugentas pretendem.