quarta-feira, julho 25, 2007

Plataforma liberal

Propor o mesmo que José Sócrates, ou algo diferente de forma errática, torna muito fácil optar pelo familiar e conhecido, adiando a mudança.

Esqueça-se 2009: a crise da direita não se resolve em dois anos. Em tempo de reflexão profunda, a direita tem de perceber que precisa de competência e de realismo, como escreveu Pulido Valente, e ainda de uma diferenciação credível. Propor o mesmo que José Sócrates, ou algo diferente de forma errática, torna muito fácil optar pelo familiar e conhecido, adiando a mudança. PSD e CDS/PP têm andado entretidos a discutir nomes. Quando falam de ideias é para acusar o governo de os estar a ultrapassar pela direita. Como escrevia Henrique Raposo, no “atlantico-online.net/blogue”, a direita parlamentar ficaria melhor como segundo e terceiro anéis da bancada socialista.

Infelizmente, é cada vez menos crível, depois de anos de letargia, confusão e abstinência ideológica, que alguma renovação no espaço político não socialista possa vir desses dois partidos. A esta constatação segue-se outra: nos últimos anos têm florescido, entre colóquios, blogues, publicações e movimentos de cidadania, diversas ideias de inspiração liberal, entre as quais o reformista e moderado “liberalismo social” – que não pode ser confundido com o “socialismo liberal” de Sócrates. Embora possam coincidir numa ou outra solução concreta, as visões sobre o papel do Estado, dos indivíduos e da comunidade são substancialmente diferentes.

É cada vez menos crível, depois de anos de letargia, confusão e abstinência ideológica, que alguma renovação no espaço político não socialista possa vir do PSD ou do CDS/PP.

O liberal social aceita “restrições” à sua liberdade individual (via pagamento de impostos) para promover uma maior igualdade de oportunidades na educação e alguma contratualização na saúde e nas pensões de reforma, mas o seu “objectivo” é a defesa da mais ampla liberdade de escolha. Esta prioritização faz toda a diferença. Contrariamente ao socialista liberal, que vê o Estado como solução primeira e evidente para tudo, o liberal social apenas o aceita como uma solução de recurso para os casos em que a comunidade não é capaz de, sozinha e espontaneamente, responder a certos desígnios.

Dois projectos que reflectem estas ideias (e às quais não tenho qualquer ligação) são o Compromisso Portugal (compromissoportugal.pt) e o Movimento Liberal Social (liberal-social.org). Diferenças à parte, comungam entre si uma visão realista da política. Se estas e outras iniciativas liberais, como a revista Atlântico, não puderem voar mais alto, é Portugal e cada um de nós quem fica mais comprometido.

quarta-feira, julho 11, 2007

O direito à indiferença

Numa sociedade civilizada, a piada e o insulto homofóbicos têm, da parte de qualquer cidadão, uma oposição firme e construtiva.

Numa sociedade liberal pujante, cada um tem bem presentes os seus direitos e responsabilidades. Estas não têm de passar pela lei escrita e têm duas dimensões distintas: a obrigação de A perante B – decorrente do direito de B sobre A – e, um nível acima, a obrigação de preservar os valores que sustentam essa sociedade, como a coesão e a pluralidade. Duas obrigações que todos entendem são o apoio aos mais frágeis e o respeito por modos de vida diversos. Nos transportes públicos não será necessário reservar lugares para grávidas ou idosos, porque ceder o lugar é um dever reconhecido por todos. A discriminação pública de outro indivíduo – que pressupõe um juízo de desvalor – não é aceitável nessa sociedade. É por isso que não são toleráveis as manifestações públicas de racismo ou de homofobia. As primeiras acarretariam, no nosso país, e hoje em dia, uma sanção social, o que não aconteceria necessariamente com as segundas, aceites por muitos ou mesmo incentivadas.

Em Inglaterra, como noutros países de tradição mais liberal, a questão da homofobia já não se debate. Impera um princípio simples: o direito à indiferença no espaço público. Não basta defender o direito de cada um à sua vida privada, porque a vida em sociedade comporta um lado social fundamental, onde se inclui, entre outros, a manifestação pública de afectos. O direito a não ser incomodado é, neste plano, o direito de não ser discriminado por fazer aquilo que é feito em contextos relacionais mais comuns. Numa sociedade civilizada, a piada e o insulto homofóbicos têm, da parte de qualquer cidadão, uma oposição firme e construtiva.

Não deve valer de muito lembrar [...] que a defesa de uma causa justa só pode ser feita independentemente dos interesses do próprio. Mas não custa tentar.

Não é isso que se vê em grande parte dos liberais de direita portugueses. Percebe-se porquê. Muitos deles são moralmente conservadores, convivendo mal com a ideia de um espaço público onde a sua moral particular não seja seguida por todos. Depois, há os “boatos” e as “rotulagens”. Não deve valer de muito lembrar a transversalidade das lutas anti-esclavagistas e pró igualdade de direitos entre homens e mulheres. Ou que a defesa de uma causa justa só pode ser feita independentemente dos interesses do próprio. Mas não custa tentar. Porque o silêncio perante a homofobia pública – esclarecedoramente exibida aquando do caso das duas adolescentes de Gaia –, resume-se nisto: quem se cala, consente.