quarta-feira, abril 02, 2008

Uma liberdade ocidental

Portugal pode, a seu tempo e de forma cautelosa, equacionar a regulamentação da eutanásia voluntária, e apenas desta.

Numa óptica liberal, faz tão pouco sentido penalizar o “suicídio” como o “suicídio assistido”. Tratando-se, em qualquer dos casos, de uma decisão consciente de um adulto, o segundo difere do primeiro por nele participar uma terceira pessoa – de livre vontade. Uma variante do suicídio assistido é o “testamento vital”, em que o indivíduo indica, em antecipação e por escrito, a forma como deseja ser tratado em contingências futuras (sendo desejável que se exija uma actualização assídua de tal contrato). A punição de qualquer destes casos de “eutanásia voluntária” – ilustrada em filmes como “Mar adentro” ou “Invasões bárbaras” – implica juízos paternalistas – que rejeitamos.

No pólo oposto está a “indução da morte”, em que a morte é causada por um terceiro (médico, parente, amigo), sem autorização explícita para tal. (Com as muitas diferenças que separam as duas situações, o “abate misericordioso” de animais em sofrimento encaixa-se nesta categorização). Muitos equivalem-na a um assassínio. Ninguém tem direito a dispor da vida de uma outra pessoa. A aceitação deste tipo de “eutanásia involuntária e agressiva” introduziria uma arbitrariedade preocupante em qualquer sistema, agravada no nosso caso, se pensarmos no abandono e na falta de autonomia dos nossos idosos e no estado “de tanga” em que continuamente navegamos. Nem pensar, portanto, em legalizar esta forma de eutanásia.

A punição de qualquer caso de “eutanásia voluntária” – ilustrada em filmes como “Mar adentro” ou “Invasões bárbaras” – implica juízos paternalistas – que rejeitamos.

Entre os dois extremos atrás descritos encontra-se a decisão de diminuição do uso de terapias que prolongam a vida de um doente. Eticamente, é legítimo que um médico ajuste a terapia de um doente, tendo em conta o seu sofrimento. Realisticamente, essa é a prática corrente – e milenar – entre os médicos. Este tipo de “eutanásia involuntária e passiva” não carece de qualquer alteração.

Em suma, Portugal pode, a seu tempo e de forma cautelosa, equacionar a regulamentação da eutanásia voluntária, e apenas desta. Note-se que, uma vez que é o próprio a realizar o acto desejado ou a requerê-lo inequivocamente, a pressão externa por motivos egoístas fica minimizada, sendo leviano falar em “cultura de morte” nesse contexto. Defender que a vida é um dom divino e que nenhum homem tem direito a tirá-la é uma opinião aceitável na esfera privada, mas impô-la na esfera pública é próprio de certos países islâmicos, não de democracias liberais ocidentais. A dignidade de cada um implica o direito à sua própria vida.