quarta-feira, março 19, 2008

Renovação: uma miragem?

Poucos ou nenhuns sociais democratas parecem disponíveis para disputar a liderança do partido antes de 2009. Percebe-se porquê.

Por uma questão de princípio, qualquer novo líder partidário merece o benefício da dúvida. Da minha parte, Luís Filipe Menezes teve-o. Passados seis meses, o diagnóstico é claro: um falhanço em toda a linha. O autarca de Gaia não foi capaz de apresentar um projecto coerente e alternativo para o país (“via programática”), nem de entusiasmar os portugueses (“via carismática”). Apesar disso, ridiculamente reclama ambas (“via Obâmica”). Os seus sucessos resumem-se à conquista da simpatia das televisões privadas com uma proposta avulsa sobre a RTP, ao ressuscitar de Pedro Santana Lopes e à inscrição de Ribau Esteves nos anais da comédia portuguesa. É obra.

Marx faz falta na nossa vida política. Precisamos de líderes políticos que só queiram como apoiantes indefectíveis indivíduos que estejam dispostos a ser os seus mais contundentes críticos. Uma raridade no país, um oxímoro no ‘inner circle’ do autarca de Gaia, onde se contam “vigilantes” conhecidos por ver a política como uma mera luta de galos, levando qualquer discussão da sala de aula para o recreio. Quem não vibrou com textos na imprensa que responderam a críticas políticas dirigidas a Menezes referindo a sua qualidade enquanto pediatra e a sua média de curso respeitável?

Precisamos de líderes políticos que só queiram como apoiantes indefectíveis indivíduos que estejam dispostos a ser os seus mais contundentes críticos.

Depois de anos a criticar o ex-líder do PSD e os “intelectuais bem pensantes”, o actual líder social-democrata deixou bem claro que está ao leme de pedra e cal até 2009. Ao contrário de Marques Mendes, Menezes não coloca – sequer teoricamente – a hipótese de, em caso de extremo prejuízo para o PSD ou para o país, abandonar ou abrir à disputa o seu actual cargo. A proposta sobre as quotas dos militantes faz dele um simples “barricado”. Lamentável. Poucos ou nenhuns sociais democratas parecem disponíveis para disputar a liderança do partido antes de 2009. Percebe-se porquê. Mas pactuar com a morte lenta que ele vai conhecendo trará facturas ainda mais pesadas a alguns presentes mas ausentes.

Fora do PSD, a criação de um partido mais liberal que o PS – e credível – nunca viu maré tão favorável. Contudo, algumas elites inspiradas por tal projecto parecem demasiado avessas ao risco, como escreveu João Cardoso Rosas. O espaço não socialista precisa de renovação e de clarificação, mas a “crise” é tão profunda que até as excelentes oportunidades por ela criadas prometem muito pouco. Ou talvez o tempo não me venha a dar razão.

quarta-feira, março 05, 2008

Salário mínimo (II)

Ainda abundam, entre alguma esquerda, os discursos “éticos”, reveladores de um desconhecimento sobre como funciona um mercado livre.

Nos EUA, o salário mínimo subiu recentemente de 5.15 para 7.25 dólares/hora.Em 1968, ele equivalia a 90% do nível de pobreza; em 2005, a apenas 50%. Na Europa, discute-se a desejabilidade de uma política comum sobre o salário minimo, nomeadamente, impondo que ele seja uma percentagem comum – 60%? – do rendimento médio de cada país. (Não confundir com a ideia assustadora de um valor nominalmente comum na UE, defendida por Miguel Portas).

Como ciência intrinsecamente “marginalista”, a economia neoclássica diz-nos que um empregador quererá pagar um salário igual ao valor da produtividade “marginal” do trabalho, num contexto de substituibilidade entre os factores de produção (trabalho, capital, etc). É uma teoria inspirada e aplicável à sociedade industrial do séc. XIX, mas desajustada e insuficiente para pensar a sociedade terciária do séc. XXI. Muito longe da cultura japonesa – onde o conceito de “accionista” é estranho e onde só se entende que uma empresa seja propriedade dos seus trabalhadores –, sabemos, no Ocidente, que pensar no “valor acrescentado” de um trabalhador pode ser redutor.

A ideia de que o salário mínimo acompanhe o nível de riqueza médio de um país é atraente e justa, mas não deve ser regulamentada de forma exacta.

Os trabalhos de limpeza ou de estafeta, mesmo que uma condição sine qua non para a operatividade de um negócio lucrativo, podem ser tão abundantes que permitam remunerá-los a um preço que impossibilite uma vida minimamente digna numa sociedade relativamente rica (pense-se no caso americano). Nesta óptica, somos levados a pensar no valor mínimo que uma hora de trabalho deve ter, por muito poucas qualificações que ele exija. Insistir, sem mais, na “escassez relativa”, significa que esquecemos o fundamental: aquilo que está por detrás da oferta de trabalho – a forma como se valoriza o contributo do trabalhador numa empresa.

A liberdade económica de quem emprega é essencial, mas nem sempre um dado entre nós. Ainda abundam, entre alguma esquerda, os discursos exclusivamente “éticos”, reveladores de um total desconhecimento sobre como funciona um mercado livre e que proporcionam efeitos contrários aos desejados. Legislar nem sempre é a melhor solução. A ideia de que o salário mínimo acompanhe o nível de riqueza médio de um país é atraente e justa, mas não deve ser regulamentada de forma exacta. A resposta a esta questão não pode ser burocrática, impositiva, matemática; tem de ser política, orientada por princípios claros, ponderados e aplicados casuisticamente.

Nota: invista no futuro, vá a www.umpequenogesto.org.