Conluio nas entrelinhas
As subtilezas de certos tipos de conluio tácito representam um desafio gigante para qualquer entidade reguladora.
Por vezes, um exemplo vale mais do que mil palavras. Na Alemanha, dez lotes de espectro GSM foram a leilão em 1999, sendo a Mannesman e a T-Mobil os únicos candidatos credíveis. O leilão era “simultâneo” e “ascendente”: em cada ‘round’, as licitações eram anunciadas simultaneamente e o incremento mínimo para uma contra-licitação era de 10%. Assim que nenhum incremento fosse proposto, o leilão terminaria.
A expectativa era grande. A surpresa foi maior. No primeiro ‘round’, a Mannesman ofereceu 18.18 (milhões de marcos por Mghz) por cada lote 1-5 e 20.00 por cada lote 6-10; a T-Mobil propôs valores mais baixos. No segundo ‘round’, a T-Mobil propôs 20.00 por cada lote 1-5, não fazendo qualquer oferta sobre os restantes. Como o leitor já terá adivinhado, o leilão acabou no ‘round’ seguinte. Ou seja: cinco lotes para cada empresa, a um preço igual e muito aquém do esperado.
Mais tarde, os responsáveis da T-Mobil afirmaram aos jornalistas que a proposta inicial da Mannesman fora uma “oferta clara”. Nem um linguista nem um economista se atreveriam a negar a importância da comunicação subliminar presente neste caso. O primeiro lembraria que qualquer acto de comunicação só pode ser compreendido se prestarmos atenção não apenas ao “enunciado”, como também à “intenção” do locutor e ao “efeito” que este procura ter no destinatário. O segundo sublinharia a estratégia de envio de um “sinal” sugerindo cooperação entre as partes. Juntos, poderiam escrever que o conluio não se cose apenas por várias linhas: coze-se também nas entrelinhas. E tudo pelo pormenor de 18.18 acrescido de 10% ser (aproximadamente) igual a 20.00.
Três ideias merecem destaque. Primeira: no contexto de leilões, concursos e demais mecanismos de selecção directa, é preciso ser cuidadoso na escolha das regras, uma vez que estas poderão ser aproveitadas para formas de conluio tácito e legal, minando o sucesso pretendido (o conluio ilegal – a corrupção – não cabe aqui).
Segunda: em qualquer mercado onde exista alguma concorrência, o conluio pode tomar múltiplas formas, sendo a mais comum a subida não concertada de preços, em que um aumento unilateral é lido como um “convite” à subida dos preços dos restantes concorrentes, resultando (se “aceite”) em lucros acrescidos para as empresas e menor bem-estar para os consumidores. Os mercados das telecomunicações móveis, da aviação e da banca são, pela sua natureza, especialmente propensos a este tipo de estratégia.
Terceira: as subtilezas de certos tipos de conluio tácito representam um desafio gigante para qualquer entidade reguladora. Um desafio que exige bem mais do que a competência e a dedicação de um Watson; um desafio que pede inspiração na minúcia, na imaginação, na astúcia de um Sherlock Holmes.
Por vezes, um exemplo vale mais do que mil palavras. Na Alemanha, dez lotes de espectro GSM foram a leilão em 1999, sendo a Mannesman e a T-Mobil os únicos candidatos credíveis. O leilão era “simultâneo” e “ascendente”: em cada ‘round’, as licitações eram anunciadas simultaneamente e o incremento mínimo para uma contra-licitação era de 10%. Assim que nenhum incremento fosse proposto, o leilão terminaria.
A expectativa era grande. A surpresa foi maior. No primeiro ‘round’, a Mannesman ofereceu 18.18 (milhões de marcos por Mghz) por cada lote 1-5 e 20.00 por cada lote 6-10; a T-Mobil propôs valores mais baixos. No segundo ‘round’, a T-Mobil propôs 20.00 por cada lote 1-5, não fazendo qualquer oferta sobre os restantes. Como o leitor já terá adivinhado, o leilão acabou no ‘round’ seguinte. Ou seja: cinco lotes para cada empresa, a um preço igual e muito aquém do esperado.
Mais tarde, os responsáveis da T-Mobil afirmaram aos jornalistas que a proposta inicial da Mannesman fora uma “oferta clara”. Nem um linguista nem um economista se atreveriam a negar a importância da comunicação subliminar presente neste caso. O primeiro lembraria que qualquer acto de comunicação só pode ser compreendido se prestarmos atenção não apenas ao “enunciado”, como também à “intenção” do locutor e ao “efeito” que este procura ter no destinatário. O segundo sublinharia a estratégia de envio de um “sinal” sugerindo cooperação entre as partes. Juntos, poderiam escrever que o conluio não se cose apenas por várias linhas: coze-se também nas entrelinhas. E tudo pelo pormenor de 18.18 acrescido de 10% ser (aproximadamente) igual a 20.00.
Três ideias merecem destaque. Primeira: no contexto de leilões, concursos e demais mecanismos de selecção directa, é preciso ser cuidadoso na escolha das regras, uma vez que estas poderão ser aproveitadas para formas de conluio tácito e legal, minando o sucesso pretendido (o conluio ilegal – a corrupção – não cabe aqui).
Segunda: em qualquer mercado onde exista alguma concorrência, o conluio pode tomar múltiplas formas, sendo a mais comum a subida não concertada de preços, em que um aumento unilateral é lido como um “convite” à subida dos preços dos restantes concorrentes, resultando (se “aceite”) em lucros acrescidos para as empresas e menor bem-estar para os consumidores. Os mercados das telecomunicações móveis, da aviação e da banca são, pela sua natureza, especialmente propensos a este tipo de estratégia.
Terceira: as subtilezas de certos tipos de conluio tácito representam um desafio gigante para qualquer entidade reguladora. Um desafio que exige bem mais do que a competência e a dedicação de um Watson; um desafio que pede inspiração na minúcia, na imaginação, na astúcia de um Sherlock Holmes.
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