Afinar a pontaria
Num debate, como o do aborto, em que tudo se converte facilmente em ruído, espera-se do primeiro-ministro contenção nas palavras e discrição nos actos.
A interrupção voluntária da lucidez ainda mal começou. Todavia, tempo para que ela prospere não falta. Serão três meses até ao dia do juízo segundo – o dia de voltar a auscultar os eleitores sobre o aborto antes das 10 semanas. As opiniões abundam, mas um consenso parece existir: o de que o seu resultado dependerá largamente da actuação de uma pessoa. Falo, claro, de José Sócrates.
José Sócrates tem dado provas de ser um bom gestor da sua equipa governativa, do seu partido, das expectativas criadas em torno da governação. Em face dos seus diversos antecessores (e com quem mais seria justo comparar?), o líder dos socialistas tem-se revelado um homem de relativa coragem política. É justo, por isso, conceder-lhe algumas palmas. As palmas exactas que merece um candidato não distinto a um galardão que tem de ser de qualquer modo entregue.
Mas ser um bom gestor é, como diria o outro, ser um bom gestor. Não dá para tudo. E ao actual primeiro-ministro faltam certas qualidades que, dados os meandros da questão do aborto, lhe aconselhariam maiores prudência e resguardo. Debitar ‘sound-bytes’ sobre o programa MIT ou as SCUT é coisa bem diferente de entrar no terreno da ética e da política pura. Sem a eloquência, o sentido de ponderação e o respeito genuíno pelas ideias opostas que caracterizam os políticos excepcionais – como Tony Blair, por exemplo –, falar pouco seria a opção sensata a tomar por José Sócrates. Seria, também, dados os seus objectivos, a escolha mais eficaz. Vejamos.
As opiniões expressas em sondagens, como refere Pedro Magalhães (”Público”, 23-10-06), nem sempre representam fortes “convicções”, mas sobretudo “predisposições” e “considerações”. Daqui resulta um enorme potencial de influência sobre o sentido final de voto de muitos eleitores. No combate que se avizinha, a vantagem “formal”, dado o ‘statu quo’, está do lado do ‘não’. Sócrates tem de interiorizar que o mais importante para o sucesso do ”sim” será atender às motivações e valores das pessoas que, estando naturalmente inclinadas a votar ”não”, não excluem totalmente o voto contrário.
Ora, constantes, pouco elaborados e por vezes arrogantes apelos à “modernidade” não serão a melhor forma de convencer essa parcela do eleitorado, tendencialmente conservadora. Como diz o povo, “não é com vinagre que se apanham moscas”. Também a insistência no direito a exprimir uma opinião pessoal concorre, dada a sua natural irritabilidade, para um resultado oposto ao pretendido, sendo isto agravado ainda pela sua posição de autoridade.
Num debate em que tudo se converte facilmente em ruído, espera-se do primeiro-ministro contenção nas palavras e discrição nos actos. E pede-se algo mais: pragmatismo. Para que jamais lhe possam atirar à cara que não houvera necessidade.
A interrupção voluntária da lucidez ainda mal começou. Todavia, tempo para que ela prospere não falta. Serão três meses até ao dia do juízo segundo – o dia de voltar a auscultar os eleitores sobre o aborto antes das 10 semanas. As opiniões abundam, mas um consenso parece existir: o de que o seu resultado dependerá largamente da actuação de uma pessoa. Falo, claro, de José Sócrates.
José Sócrates tem dado provas de ser um bom gestor da sua equipa governativa, do seu partido, das expectativas criadas em torno da governação. Em face dos seus diversos antecessores (e com quem mais seria justo comparar?), o líder dos socialistas tem-se revelado um homem de relativa coragem política. É justo, por isso, conceder-lhe algumas palmas. As palmas exactas que merece um candidato não distinto a um galardão que tem de ser de qualquer modo entregue.
Mas ser um bom gestor é, como diria o outro, ser um bom gestor. Não dá para tudo. E ao actual primeiro-ministro faltam certas qualidades que, dados os meandros da questão do aborto, lhe aconselhariam maiores prudência e resguardo. Debitar ‘sound-bytes’ sobre o programa MIT ou as SCUT é coisa bem diferente de entrar no terreno da ética e da política pura. Sem a eloquência, o sentido de ponderação e o respeito genuíno pelas ideias opostas que caracterizam os políticos excepcionais – como Tony Blair, por exemplo –, falar pouco seria a opção sensata a tomar por José Sócrates. Seria, também, dados os seus objectivos, a escolha mais eficaz. Vejamos.
As opiniões expressas em sondagens, como refere Pedro Magalhães (”Público”, 23-10-06), nem sempre representam fortes “convicções”, mas sobretudo “predisposições” e “considerações”. Daqui resulta um enorme potencial de influência sobre o sentido final de voto de muitos eleitores. No combate que se avizinha, a vantagem “formal”, dado o ‘statu quo’, está do lado do ‘não’. Sócrates tem de interiorizar que o mais importante para o sucesso do ”sim” será atender às motivações e valores das pessoas que, estando naturalmente inclinadas a votar ”não”, não excluem totalmente o voto contrário.
Ora, constantes, pouco elaborados e por vezes arrogantes apelos à “modernidade” não serão a melhor forma de convencer essa parcela do eleitorado, tendencialmente conservadora. Como diz o povo, “não é com vinagre que se apanham moscas”. Também a insistência no direito a exprimir uma opinião pessoal concorre, dada a sua natural irritabilidade, para um resultado oposto ao pretendido, sendo isto agravado ainda pela sua posição de autoridade.
Num debate em que tudo se converte facilmente em ruído, espera-se do primeiro-ministro contenção nas palavras e discrição nos actos. E pede-se algo mais: pragmatismo. Para que jamais lhe possam atirar à cara que não houvera necessidade.
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