Um problema, dois desafios
Imagine que os salários em Portugal eram pagos em 12 e não 14 fracções. Quantos conseguiriam ter o Verão habitual, mais o consumismo do fim de ano?
Não será preciso lembrar as dietas loucas do Verão que passou para convencer o leitor da dificuldade de cumprir o desígnio de ser dono e senhor de si próprio. Cadeados no frigorífico; despertadores fora de alcance; cigarros nas mãos de outros: exemplos do problema de “auto-controlo” não rareiam. O confronto entre o “eu” disciplinado e o “eu” que, como Wilde, não consegue resistir a uma tentação, abunda em estudos de psicologia e de economia do comportamento.
Vencer o desafio pessoal de auto-controlo não é só essencial: é também nobre. Na obra ‘The Theory of Moral Sentiments’, lemos que ‘Self-command is not only itself a great virtue, but from it all the other virtues seem to derive their principal lustre’. A ideia de Adam Smith parece indisputável: quanto maior o auto-controlo, mais intencionais as nossas acções; quanto mais intencionais as nossas acções, maior o mérito do que delas resulta; e quanto maior o mérito resultante, maior o “brilho” das acções virtuosas.
A implicação fundamental da dificuldade de auto-controlo é que uma liberdade restringida pode, por vezes, ser vantajosa. Recordemos o exemplo clássico: Ulisses, seguindo os conselhos de Circe, pede aos seus marinheiros que o amarrem ao mastro do navio e que o não soltem – mesmo que ele peça – antes de passarem a ilha das Sereias. Para testemunhar os (en)cantos das ninfas marítimas sem arriscar a sua vida, o herói da Odisseia decide, conscientemente, diminuir a sua liberdade de escolha.
Passemos ao segundo desafio, não pessoal mas social. Imagine que os salários em Portugal eram pagos em 12 e não 14 fracções. Quantos conseguiriam ter o Verão habitual, mais o consumismo do fim de ano? O exemplo ilustra a dificuldade - bem documentada - de resitir à tentação de gastar, mesmo quando o “eu” racional nos manda poupar. Para muitos, como cantam os Rádio Macau, “amanhã é sempre longe demais”.
A questão do auto-controlo tem uma consequência importante para o sistema de pensões de reforma: a necessidade de haver (alg)uma contribuição obrigatória. Há quinze dias, defendemos aqui uma mudança de paradigma para um sistema misto onde a pedra basilar seja uma componente de capitalização individual, mais transparente. Acrescentamos que a “justiça social” deve influir sobretudo na política fiscal – nomeadamente com impostos progressivos – e não no que cada um receberá depois de uma vida de descontos.
Uma nota final. Limitar a liberdade de escolha para benefício do próprio resvala facilmente para paternalismos que repudiamos (lembremos “1984”, de Orwell). Mas negar a natureza humana, negando o problema do auto-controlo, não é aceitável. Procurar uma forma ponderada e limitada de intervir na esfera individual de cada um – é este, politicamente, o grande desafio.
Não será preciso lembrar as dietas loucas do Verão que passou para convencer o leitor da dificuldade de cumprir o desígnio de ser dono e senhor de si próprio. Cadeados no frigorífico; despertadores fora de alcance; cigarros nas mãos de outros: exemplos do problema de “auto-controlo” não rareiam. O confronto entre o “eu” disciplinado e o “eu” que, como Wilde, não consegue resistir a uma tentação, abunda em estudos de psicologia e de economia do comportamento.
Vencer o desafio pessoal de auto-controlo não é só essencial: é também nobre. Na obra ‘The Theory of Moral Sentiments’, lemos que ‘Self-command is not only itself a great virtue, but from it all the other virtues seem to derive their principal lustre’. A ideia de Adam Smith parece indisputável: quanto maior o auto-controlo, mais intencionais as nossas acções; quanto mais intencionais as nossas acções, maior o mérito do que delas resulta; e quanto maior o mérito resultante, maior o “brilho” das acções virtuosas.
A implicação fundamental da dificuldade de auto-controlo é que uma liberdade restringida pode, por vezes, ser vantajosa. Recordemos o exemplo clássico: Ulisses, seguindo os conselhos de Circe, pede aos seus marinheiros que o amarrem ao mastro do navio e que o não soltem – mesmo que ele peça – antes de passarem a ilha das Sereias. Para testemunhar os (en)cantos das ninfas marítimas sem arriscar a sua vida, o herói da Odisseia decide, conscientemente, diminuir a sua liberdade de escolha.
Passemos ao segundo desafio, não pessoal mas social. Imagine que os salários em Portugal eram pagos em 12 e não 14 fracções. Quantos conseguiriam ter o Verão habitual, mais o consumismo do fim de ano? O exemplo ilustra a dificuldade - bem documentada - de resitir à tentação de gastar, mesmo quando o “eu” racional nos manda poupar. Para muitos, como cantam os Rádio Macau, “amanhã é sempre longe demais”.
A questão do auto-controlo tem uma consequência importante para o sistema de pensões de reforma: a necessidade de haver (alg)uma contribuição obrigatória. Há quinze dias, defendemos aqui uma mudança de paradigma para um sistema misto onde a pedra basilar seja uma componente de capitalização individual, mais transparente. Acrescentamos que a “justiça social” deve influir sobretudo na política fiscal – nomeadamente com impostos progressivos – e não no que cada um receberá depois de uma vida de descontos.
Uma nota final. Limitar a liberdade de escolha para benefício do próprio resvala facilmente para paternalismos que repudiamos (lembremos “1984”, de Orwell). Mas negar a natureza humana, negando o problema do auto-controlo, não é aceitável. Procurar uma forma ponderada e limitada de intervir na esfera individual de cada um – é este, politicamente, o grande desafio.
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