O retorno das regras
”Dar o exemplo” não pode ser só um chavão. Até porque, no longo prazo, a batota não compensa. E basta de desculpas. Só é patinho feio quem desiste.
Numa ilha deserta, a vida seria um jogo interessante. A incerteza dos actos da Natureza proporcionaria desafios constantes. Faltaria, contudo, um ingrediente: a intencionalidade do outro com quem jogamos. Mesmo que existissem outros animais na ilha, o seu comportamento seria qualitativamente diferente do dos humanos (a tal obriga a ausência de consciência).
Um jogo, em sociedade, tem sempre regras. Os desportos de combate onde ”não há regras” não são excepção, pois que essa cláusula é, ela mesma, uma regra. Toda a interacção social é um jogo. A variação de bem-estar para os participantes determina se um jogo é de soma positiva, nula ou negativa. A prosperidade de um país depende muito do nível de cumprimento de certas regras. O que motiva esta reflexão é o ”problema institucional” em Portugal.
A Justiça é um dos pilares de maior preocupação. Não nos surpreende ver casos de corrupção que terminam em pouco mais do que nada. Porquê, é quase sempre pergunta sem resposta. O enquadramento da prisão preventiva ainda é insatisfatório. Nos jornais, os atentados ao bom nome de actores públicos raramente merecem igual destaque quando se conclui pela não condenção.
O caso Gisberta deixa-nos sem palavras. É notável a escassez de fotos publicadas da vítima desse crime hediondo (obrigado, Fernanda Câncio, pela diferença). Terá sido apenas uma ”brincadeira”, dizem os juízes. Intencionalidade e responsabilidade andam de mãos dadas, mesmo quando se cortam os braços da forma a que assistimos.
A Justiça não está só. Na escola pública, a autoridade de quem é desafiado serve apenas para calibrar o reconhecimento do aluno rebelde. Nas estradas, não vemos por que não transgredir. Nos impostos, se não pagamos ou pagamos tarde, é porque já descontamos muito. O Estado são sempre os outros, quando falamos de deveres. E no futebol, ”mergulhamos” e damos cabeçadas, mas os outros também. Se tudo ”o que importa é ganhar”, ouvimos proclamar...
Duas ideias ajudam a entender isto. Uma é a da ”excepção”, a que todos sentimos ter direito. No espaço público, ser igual aos demais não entra na cabeça dos portugueses. A outra – ilustrada por Domingos Amaral (aqui à esquerda), a propósito de uma festa em Cascais, cujo ruído tardio levou a queixas da vizinhança – é a de que não cumprimos regras mas somos ”humanos”. Nada que ver com os ”chatos” dos suíços ou dos ingleses.
Estaremos, então, condenados à proliferação de jogos de soma negativa? Talvez não. Exijamos a nós próprios e, depois, aos responsáveis políticos e às demais elites – sem falsos moralismos –, um contributo para essa mudança. Para uma cidadania mais responsável. ”Dar o exemplo” não pode ser só um chavão. Até porque, no longo prazo, a batota não compensa. E basta de desculpas. Só é patinho feio quem desiste.
Numa ilha deserta, a vida seria um jogo interessante. A incerteza dos actos da Natureza proporcionaria desafios constantes. Faltaria, contudo, um ingrediente: a intencionalidade do outro com quem jogamos. Mesmo que existissem outros animais na ilha, o seu comportamento seria qualitativamente diferente do dos humanos (a tal obriga a ausência de consciência).
Um jogo, em sociedade, tem sempre regras. Os desportos de combate onde ”não há regras” não são excepção, pois que essa cláusula é, ela mesma, uma regra. Toda a interacção social é um jogo. A variação de bem-estar para os participantes determina se um jogo é de soma positiva, nula ou negativa. A prosperidade de um país depende muito do nível de cumprimento de certas regras. O que motiva esta reflexão é o ”problema institucional” em Portugal.
A Justiça é um dos pilares de maior preocupação. Não nos surpreende ver casos de corrupção que terminam em pouco mais do que nada. Porquê, é quase sempre pergunta sem resposta. O enquadramento da prisão preventiva ainda é insatisfatório. Nos jornais, os atentados ao bom nome de actores públicos raramente merecem igual destaque quando se conclui pela não condenção.
O caso Gisberta deixa-nos sem palavras. É notável a escassez de fotos publicadas da vítima desse crime hediondo (obrigado, Fernanda Câncio, pela diferença). Terá sido apenas uma ”brincadeira”, dizem os juízes. Intencionalidade e responsabilidade andam de mãos dadas, mesmo quando se cortam os braços da forma a que assistimos.
A Justiça não está só. Na escola pública, a autoridade de quem é desafiado serve apenas para calibrar o reconhecimento do aluno rebelde. Nas estradas, não vemos por que não transgredir. Nos impostos, se não pagamos ou pagamos tarde, é porque já descontamos muito. O Estado são sempre os outros, quando falamos de deveres. E no futebol, ”mergulhamos” e damos cabeçadas, mas os outros também. Se tudo ”o que importa é ganhar”, ouvimos proclamar...
Duas ideias ajudam a entender isto. Uma é a da ”excepção”, a que todos sentimos ter direito. No espaço público, ser igual aos demais não entra na cabeça dos portugueses. A outra – ilustrada por Domingos Amaral (aqui à esquerda), a propósito de uma festa em Cascais, cujo ruído tardio levou a queixas da vizinhança – é a de que não cumprimos regras mas somos ”humanos”. Nada que ver com os ”chatos” dos suíços ou dos ingleses.
Estaremos, então, condenados à proliferação de jogos de soma negativa? Talvez não. Exijamos a nós próprios e, depois, aos responsáveis políticos e às demais elites – sem falsos moralismos –, um contributo para essa mudança. Para uma cidadania mais responsável. ”Dar o exemplo” não pode ser só um chavão. Até porque, no longo prazo, a batota não compensa. E basta de desculpas. Só é patinho feio quem desiste.
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