A incerteza de julgar
O facto de observarmos um erro não implica que a decisão tomada não tenha sido acertada – ou, se quisermos, a melhor possível no contexto relevante.
Disparar, ou não, sobre um potencial bombista suicida? Condenar ou absolver um réu? Rejeitar, ou não, uma hipótese científica? Na actuação policial, como nos tribunais e na investigação académica, são inúmeras as situações em que a possibilidade de escolha é dual e onde existe incerteza relativamente à decisão acertada a tomar. Essa incerteza leva, inevitavelmente, à possibilidade de erro.
Pegando no exemplo judicial, erra-se quando se condena um inocente e quando se absolve um culpado. O primeiro erro, tido consensualmente como o mais grave, fundamenta a “presunção de inocência”. Não obstante ser altamente indesejável, ele ocorrerá – a menos que não se condene qualquer réu sempre que haja um mínimo de dúvida, algo de incomportável na nossa sociedade –, com probabilidade positiva. Portanto, numa população suficientemente numerosa existirão alguns inocentes condenados.
O facto de observarmos um erro não implica que a decisão tomada não tenha sido acertada – ou, se quisermos, a melhor possível no contexto relevante. Confundir isto é não perceber que a avaliação da justeza de uma decisão só pode ter em conta a informação conhecida no momento em que ela se dá. Uma pessoa pode ser presa preventivamente e mais tarde ver essa resolução alterada sem que haja qualquer incoerência. Basta que tenham surgido dados novos que, racionalmente, recomendem a sua revisão.
Um outro caso merece atenção. Há cerca de um ano, um cidadão suspeito de ser bombista suicida foi baleado pela polícia inglesa, dias depois dos atentados de 7 de Julho em Londres. À esquerda, tivemos o previsível: responsáveis políticos destacaram, na análise do que se passou, características como a nacionalidade, a profissão e o estatuto do cidadão morto (brasileiro, electricista, emigrante ilegal). Tudo, como é bom de ver, irrelevante para a deliberação de disparar ou não. Até porque – não devia isto ser óbvio? – nenhuma dessas características era “observável” no momento em que os disparos foram realizados. Mas a coisa não espanta: afinal, adeptos da “vitimização” não faltam por aí.
A posteriori, o que aconteceu foi um erro lamentável. Contudo, a decisão foi provavelmente a mais correcta, dadas as circunstâncias em que se deu. Bento Jesus Caraça dizia não recear o erro, por estar sempre disposto a corrigi-lo. A reparação de erros cometidos – irreversíveis ou não – é, inquestionavelmente, uma questão a que temos de responder. Sem, porém, esquecer duas coisas: primeiro, que uma decisão tomada em ambiente de incerteza acarreta sempre a possibilidade de erro; e, segundo, que ela só pode ser criticada com base na informação então disponível. Não entender isto implica desonestidade intelectual ou falta de lucidez – ou ambas as coisas. Em qualquer dos casos, o erro será mais que certo.
Disparar, ou não, sobre um potencial bombista suicida? Condenar ou absolver um réu? Rejeitar, ou não, uma hipótese científica? Na actuação policial, como nos tribunais e na investigação académica, são inúmeras as situações em que a possibilidade de escolha é dual e onde existe incerteza relativamente à decisão acertada a tomar. Essa incerteza leva, inevitavelmente, à possibilidade de erro.
Pegando no exemplo judicial, erra-se quando se condena um inocente e quando se absolve um culpado. O primeiro erro, tido consensualmente como o mais grave, fundamenta a “presunção de inocência”. Não obstante ser altamente indesejável, ele ocorrerá – a menos que não se condene qualquer réu sempre que haja um mínimo de dúvida, algo de incomportável na nossa sociedade –, com probabilidade positiva. Portanto, numa população suficientemente numerosa existirão alguns inocentes condenados.
O facto de observarmos um erro não implica que a decisão tomada não tenha sido acertada – ou, se quisermos, a melhor possível no contexto relevante. Confundir isto é não perceber que a avaliação da justeza de uma decisão só pode ter em conta a informação conhecida no momento em que ela se dá. Uma pessoa pode ser presa preventivamente e mais tarde ver essa resolução alterada sem que haja qualquer incoerência. Basta que tenham surgido dados novos que, racionalmente, recomendem a sua revisão.
Um outro caso merece atenção. Há cerca de um ano, um cidadão suspeito de ser bombista suicida foi baleado pela polícia inglesa, dias depois dos atentados de 7 de Julho em Londres. À esquerda, tivemos o previsível: responsáveis políticos destacaram, na análise do que se passou, características como a nacionalidade, a profissão e o estatuto do cidadão morto (brasileiro, electricista, emigrante ilegal). Tudo, como é bom de ver, irrelevante para a deliberação de disparar ou não. Até porque – não devia isto ser óbvio? – nenhuma dessas características era “observável” no momento em que os disparos foram realizados. Mas a coisa não espanta: afinal, adeptos da “vitimização” não faltam por aí.
A posteriori, o que aconteceu foi um erro lamentável. Contudo, a decisão foi provavelmente a mais correcta, dadas as circunstâncias em que se deu. Bento Jesus Caraça dizia não recear o erro, por estar sempre disposto a corrigi-lo. A reparação de erros cometidos – irreversíveis ou não – é, inquestionavelmente, uma questão a que temos de responder. Sem, porém, esquecer duas coisas: primeiro, que uma decisão tomada em ambiente de incerteza acarreta sempre a possibilidade de erro; e, segundo, que ela só pode ser criticada com base na informação então disponível. Não entender isto implica desonestidade intelectual ou falta de lucidez – ou ambas as coisas. Em qualquer dos casos, o erro será mais que certo.
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