quarta-feira, março 22, 2006

Quotas e subsídios

Porque é que os defensores das quotas na política não se chocam com as disparidades que subsistem noutras profissões?

E porque não subsídios em vez de quotas? Havendo necessidade de incentivar a participação das mulheres na vida política, os subsídios seriam uma solução superior às quotas, por uma razão simples: não impõe escolhas a ninguém. Apenas diminuem o custo efectivo de acesso a um cargo político. Por interferirem menos no processo de selecção, os subsídios evitam o estigma da escolha tomada para preencher um critério burocrático. Ao corrigirem os ”preços” suportados pelas mulheres que ponderam entrar na vida política, os subsídios contribuem para uma maior igualdade de oportunidades, real e não apenas jurídica. Como qualquer outra medida correctiva, eles devem atentar à principal fonte de distorção do mercado - neste caso, a maternidade. A atribuição de um bónus por cada filho menor, a criação de infraestruturas no local de trabalho e o apoio domicilário são exemplos a considerar.

Existindo igualdade no acesso de ambos sexos a determinado lugar, as escolhas livres de cada um revelam as suas preferências. Se, podendo escolher entre A e B, eu opto por A, revelo preferir A a B. O cerne da questão está aqui. É que os defensores das quotas têm em mente um mundo perfeito onde - como anotou António Vitorino na penúltima segunda-feira - ”o destino natural é que, obviamente, a representação política corresponda à representação sociológica”. Esquecem-se, no entanto, que a proporcionalidade desejada só se concretizará se os gostos dos dois sexos forem em tudo idênticos. Um esquecimento que se entende face à prioritização do ”destino natural” do colectivo sobre a liberdade individual.

Porque é que os defensores das quotas na política não se chocam com as disparidades que subsistem noutras profissões? É consensual que o politicamente correcto inunda - e geralmente afunda - qualquer debate nos dias que correm. Quando o tema é as diferenças entre homens e mulheres, ele torna-se particularmente implacável. Sugerir que uma determinada profissão é mais masculina ou feminina do que outra, ostraciza. Pretender que a política e outros cargos de poder exercem uma atracção assimétrica sobre os dois sexos, faz cair o Carmo e a Trindade. Estudar as diferenças entre homens e mulheres, sim, desde que as conclusões sejam consonantes com os fins idealizados.

A questão das quotas vai hoje a votação no Parlamento. Há um dado final a ter em conta: enquanto que metade dos membros do executivo espanhol são mulheres, José Sócrates conta com apenas duas no seu Governo. O Primeiro Ministro explica, sorridente, terem-se tratado de ”escolhas pessoais”. Que é como quem diz: façam o que eu digo, não o que eu faço. Saibam os deputados socialistas honrar o seu líder, usando a parcela não quotizada da sua razão para nos surpreenderem adequadamente.