quarta-feira, novembro 02, 2005

Os limites do consenso

Diz a sabedoria popular que “cada cabeça sua sentença”. Sendo a diversidade de opiniões inevitável, será possível o consenso mínimo de “concordar em discordar”?

Segundo Robert Aumann, sim. Mas só em determinadas situações. Por exemplo, é possível que dois indivíduos possam “concordar em discordar” quando têm uma matriz de valores diferente. Mas nem toda a “subjectividade opinativa” é admissível, pelas restrições que a lógica e a partilha de conhecimentos impõe. Numa célebre publicação*, o recém-galardoado com o Nobel da Economia demonstrou que dois agentes que partilhem as mesmas convicções (à priori) sobre determinado assunto e que partilhem as mesmas opiniões (à posteriori) nunca poderão “concordar em discordar”, independentemente da informação que tenham obtido para formar a opinião final. As implicações deste resultado são interessantes para o debate político e não só. Vejamos porquê.

Uma opinião resulta geralmente de uma “revisão” de conceitos tidos anteriormente, face a determinada evidência entretanto obtida. Pensemos no juiz que “revê” a probabilidade de um suspeito ser inocente após conhecer certas provas, ou na mãe que “revê” a sua opinião sobre a prestação escolar do filho após reunir com o director de turma. A ideia essencial é que essaa “revisão” de opiniões não é arbitrária. A palavra-chave é “consistência” – entre as opiniões baseadas na informação obtida face às convicções anteriores. Assim, dois indivíduos poderão discordar se tiverem diferentes convicções ou obtiverem diferente informação. Dois juízes discordarão sobre as medidas de coacção a aplicar por terem acesso a diferentes provas ou por divergirem na interpretação da lei. A analogia judicial ajuda a compreender o que se passa no contexto político.

Nada é mais natural num debate que discordar. O problema não está aí. Está antes em não se aprofundar essa discordância. Em não se fazer um esforço para que ela possa ser “mutuamente compreendida”. Hoje o interesse numa discussão reside mais em saber quem a “vence” do que em esclarecer o “porquê” das divergências. Seja sobre as presidenciais, o défice, ou o aborto, mais que esgrimir pontos de vista “finais” sobre certo assunto, seria útil explorar o que os “origina”, para que intervenientes e telespectadores percebessem claramente a “racionalidade” por detrás da discórdia. Com mais razão e temperada emoção. Estou certo que Aumann ficaria muito satisfeito se em Portugal um qualquer debate terminasse com um simples e cordial “Meu caro, concordamos então em discordar?”. Selado – se possível – com um democrático aperto de mão.

*«Agreeing to disagree», The Annals of Statistics, Vol. 4, No. 6 (Nov., 1976), 1236-1239.