quarta-feira, novembro 30, 2005

O poder das sondagens (II)

Uma sondagem pode virar um resultado eleitoral. Se a tentação de manipulação é real, uma maior transparência é essencial.

Uma inversão dum resultado eleitoral “pode” já ter ocorrido. Em 2001, Santana Lopes ganhou Lisboa à tangente depois de uma sondagem no Expresso atribuir uma vantagem de dez pontos percentuais a João Soares. Seria o retrato mau? Terá havido uma mudança significativa nas intenções de voto? Um mau retrato pode dever-se (1) à não representatividade da amostra ou (2) à distorção intencional das declarações dos sondados. Uma mudança nas intenções de voto pode resultar (3) directamente da publicação da própria sondagem ou (4) de outros factores. O “pode” da questão inicial deriva da incerteza presente. Uma empresa de sondagens evita (1); já (2) e (3) dependem apenas do comportamento estratégico dos eleitores; e (4) agrega a variabilidade residual. Sendo impossível saber se os sondados mentem nas suas declarações, o poder das sondagens que interessa estudar advém dos factores (3) e (4).

(3) Uma sondagem pode influenciar o sentido de voto e a decisão de abstenção. Nas eleições presidencais, o mais importante é a abstenção diferencial. Considerando os candidatos existentes, é crível que uma franja da direita considere a abstenção por achar os principais candidatos demasiado parecidos (”indiferença”) ou demasiado afastados do seu ideal (”alienação”) para merecerem um voto. Nesse cálculo, as expectativas relativas às intenções do restante eleitorado são determinantes. Uma sondagem que dê um resultado “apertado” ao candidato da frente será sempre mais mobilizadora. (4) A variabilidade residual resulta sobretudo dos indecisos, pelo que a intuição é a mesma. Uma publicação que sugira um apoio de 47%-48% ao líder será estrategicamente a mais vantajosa.

Conclusões? Três – todas elas encadeadas. Primeiro, é ingénuo acreditar, como fez o Expresso em nota editorial em 2001, que a a “previsão falhada” em Lisboa tenha sido apenas consequência “de um erro grosseiro que não podemos ignorar e que lamentamos”. Só inquirindo ‘a posteriori’ os eleitores é que se poderá perceber as causas reais da disparidade verificada. Segundo, e dado o poder que as sondagens têm, não adianta ignorar os incentivos que elas geram para os diferentes agentes políticos e mediáticos. Terceiro, é desejável prevenir manipulações na forma como as sondagens são feitas e publicadas. Por vezes um mercado totalmente livre não é suficiente, porque a assimetria informacional convida ao abuso. Como defende Pedro Magalhães, a auto-regulação seria uma solução preferível à regulação externa. Um ponto mínimo será concordar na forma de apresentação dos resultados das sondagens. É que sem uma maior transparência, é a nossa democracia formal que fica ferida.