quarta-feira, maio 31, 2006

Da bondade da gorjeta

Ao contrário dos bónus pagos nas empresas, as gorjetas não estão definidas. Contudo, essa relativa informalidade não significa um menor poder disciplinador.

No dia seguinte ninguém gratificou. Que consequências teria este cenário? No curto prazo, os clientes de um restaurante poupariam dinheiro, mas veriam o nível de serviço prestado cair. No longo prazo, os empregados exigiriam um aumento salarial que compensasse o fim das gorjetas, o que se traduziria em preços mais elevados. Feitas as contas, o custo global de uma refeição seria sensivelmente o mesmo, mas o serviço pior. Nada de surpreendente. A ausência do efeito de “cenoura e chicote” proporcionado pela incerteza da gratificação geraria uma solução ineficiente. É por esta razão que o “serviço incluído”, por que alguns restaurantes optam, é pouco inteligente.

Como outras formas de remuneração variável, a gorjeta é essencialmente meritocrática. Justifica-se como forma de incentivar a excelência no empregado cujo trabalho nem sempre é observável e que é, por isso mesmo, difícil de avaliar. O costume de gratificar os empregados de um hotel é uma forma simples de promover um serviço irrepreensível, algo de crucial para a fidelização de clientes. Uma diferença sobressai: ao contrário dos bónus pagos nas empresas, as gorjetas não estão definidas. Contudo, essa relativa informalidade não significa um menor poder disciplinador.

Enquanto prática social, a gratificação assenta num entendimento comum da regra que lhe subjaz e na existência de uma “sanção” para o seu incumprimento. Esta pode passar pela reacção desagradada do empregado ou pelo “peso na consciência” que a atitude desviante acarreta, que só existe porque há uma interiorização e uma aceitação – no sentido de entendimento, ainda que não necessariamente de cumprimento – da norma em causa. A dimensão cooperativa do hábito de gratificar é inegável: quando gratificamos, “agimos de acordo com uma máxima que gostaríamos que fosse uma lei universal” (Kant). Um exemplo de como a liberdade (neste caso, de gratificar) promove o mérito, a cooperação e o bem comum.

Numa sociedade aberta, poucas são as normas intemporais. A ideia prevalecente de que a gorjeta deve corresponder a uma percentagem do que se consome é profundamente antieconómica e injusta. O montante adequado de uma gorjeta não deve ter por base o custo da refeição, mas, sim, o custo de oportunidade do trabalho envolvido. Um empregado que tenha um ordenado fixo razoável e que receba 5 ou 10 euros de gorjeta, mesmo por uma refeição cara, receberia no final do mês mais do que o seu trabalho mereceria. Só honramos o mérito se o premiarmos adequadamente. Ser “forreta” ou “mãos largas” por princípio não é louvável. E, apesar de a gorjeta ser uma instituição importante na sociedade, não se inquiete se não gratificar um serviço medíocre: a gorjeta só é virtuosa se for uma intermitência.