quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Do voto estratégico

[“Os Grandes Portugueses”] trata-se de um “jogo” cujo resultado não tem de ser representativo das preferências reais dos portugueses.


Razões académicas permitem-me uma coisa que suspeito difícil: encontrar “entretenimento” no programa “Os Grandes Portugueses”. Não pelo que tem sido dito, mas pelo que é largamente subvalorizado: trata-se de um “jogo” cujo resultado não tem de ser representativo das preferências reais dos portugueses. Razões? Duas: os que efectivamente votam podem fazê-lo de uma forma que não reflicta as suas preferências reais – se houver “voto estratégico”; os que decidem votar podem não constituir uma amostra representativa da população – problema de “selecção amostral”. Logo, a vitória de alguém com inclinações “pouco democráticas” não é necessariamente “escandalosa”. Concentremo-nos no voto estratégico.

De entre os 10 candidatos apurados, cada votante poderá votar naqueles que quiser, quantas vezes quiser. Formalmente, temos uma eleição por “aprovação”, sem limite de votos por votante. Substantivamente, porém, interessa sobretudo quem fica em primeiro lugar, pelo que estamos próximos de uma eleição por “pluralidade simples”. Isto faz-nos esperar que no final apenas dois candidatos recebam votos (Duverger, 1954). Embora não seja “irracional” votar de modo “expressivo” – de acordo com as afinidades –, a consideração “instrumental” do voto – a preocupação com o seu impacto no resultado final – fará com que os votos se concentrem nos dois candidatos mais populares.

A vitória de alguém com inclinações “pouco democráticas” não é necessariamente “escandalosa”, [...] dado o incentivo ao “voto estratégico” numa eleição por “pluralidade simples”.

A motivação instrumental determina que cada eleitor pondere votar expressiva ou estrategicamente levando em conta: a) as preferências relativas entre o seu candidato preferido e os dois candidatos que considere terem mais hipóteses de ganhar; b) a probabilidade relativa do seu voto ser decisivo para a vitória de cada um deles. As “expectativas” quanto aos dois candidatos mais populares formam-se a partir da informação disponível. No caso, “todos sabem que todos sabem” quem eles são: Cunhal e Salazar. Este “conhecimento comum” torna o voto útil muito provável: votar noutro candidato seria um desperdício.

É leviano, portanto, extrapolar dos resultados deste concurso. Uma ideia óbvia. Mas quando os lamentos sobre o seu previsível desfecho atingem proporções absurdas, torna-se imperativo relembrar o óbvio. Falta só isto: compreender o que levou à “vantagem inicial” de tão ilustres personagens. Uma análise para o próximo artigo.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Uma opção ponderada

Uma vitória favorável à mudança da lei significará que teremos, no plano dos princípios, uma excepção razoável e, pragmaticamente, uma excepção responsável.

Num dos pratos da balança, a defesa de uma possível vida; no outro, a escolha de interromper uma gravidez não desejada. O aborto será sempre um dilema moral.

No próximo domingo estará em causa saber se, às três excepções actualmente existentes na lei, se deve juntar uma quarta, a da interrupção da gravidez, a pedido da mulher, realizada em estabelecimento autorizado, antes das 10 semanas. Não se trata de liberalizar a IVG, mesmo que até às 10 semanas, mas de despenalizá-la e regulamentá-la. Caso o Sim vença, a posterior legislação deverá – e irá, certamente – incluir a obrigatoriedade de aconselhamento e reflexão. Porquê as 10 semanas? Porque havendo uma escolha dual – permissão ou proibição – há que encontrar uma fronteira (como nos limites de velocidade) e porque ela deve encerrar um compromisso entre os valores em causa. Considerar o “direito a nascer” como um absoluto implica ser contra a pílula do dia seguinte e o aborto por violação. A irredutibilidade desta posição, ao atribuir um peso “infinito” a um prato da balança, torna-a pouco comum, mesmo entre o Não. Não vejo absolutos em qualquer dos lados. Encaro a gestação como um processo contínuo e gradual e considero que o estatuto da vida intra-uterina se vai aproximando do de pessoa humana à medida que ela se desenvolve – pelo que considero mais grave um aborto às 12 semanas do que às 8. É por esta razão que admito que, numa fase precoce da vida intra-uterina, o outro prato da balança possa prevalecer. É só preciso um pouco de moderação para entender isto.

Se o Sim ganhar, o aborto continuará a ser crime durante 75% do período de gravidez e Portugal continuará a ter a terceira lei europeia – em vinte e cinco – que mais valoriza a vida intra-uterina.

Se o Sim ganhar, o aborto continuará a ser crime durante 75% do período de gravidez e Portugal continuará a ter a terceira lei europeia – em vinte e cinco – que mais valoriza a vida intra-uterina. É difícil achar radical este Sim. Uma vitória favorável à mudança da lei significará que teremos, no plano dos princípios, uma excepção razoável e, pragmaticamente, uma excepção responsável, que, sabendo que, de facto, nenhuma mulher leva a cabo uma gravidez indesejada, a procura aconselhar e acompanhar nessa pesada decisão.

Perante isto, somos convidados a engolir um ou outro sapo – o referendo, a pergunta feita, o benefício para A ou B – e a optar pelo Sim ponderado. Uma excepção é uma excepção. E tornar uma lei mais equilibrada e eficaz é uma oportunidade de ouro que não devemos desperdiçar.