quarta-feira, agosto 23, 2006

Sob o signo do Aforismo

O pendor narcisista do filósofo, professor catedrático, leva-nos a Gilbert Cesbron. [...] Os episódios da campanha de Carrilho exigem La Rochefoucauld.

Em pleno Verão, permitam-me a ligeireza de propor, em lugar do texto habitualmente argumentativo, um convite à reflexão. O ponto de partida são Manuel Maria Carrilho e o seu recente livro, Sob o Signo da Verdade. A forma baseia-se no aforismo. Convenhamos: não quadram mal um com o outro.

O título da obra e o modo como nela são apresentadas diversas ideias sem provas lembram-nos Vergílio Ferreira: “a verdade primeiro ama-se, depois demonstra-se”. Fala-se muito, ao longo do livro, dos interesses que terão existido em torno da eleição em Lisboa. A premissa subjacente é que “aquele que acreditar que o dinheiro fará tudo, pode bem ser suspeito de fazer tudo por dinheiro” (Benjamin Franklin).

Os críticos apontam, invariavelmente, o pendor narcisista do filósofo, professor catedrático, o que nos leva a Gilbert Cesbron: “a personalidade assemelha-se a um perfume de qualidade: quem o usa é o único que o não sente”. Aceitando, também, que “de todos os sentimentos, o mais difícil de dissimular é o orgulho” (Duque de Lévis). Os contra-críticos, esses, replicam prontamente: “a censura é o imposto da inveja sobre o mérito” (Lawrence Sterne).

Os episódios da campanha de Carrilho exigem La Rochefoucauld. O tão famoso quanto estrategicamente desastroso vídeo do “papá” recorda-nos que “a verdadeira eloquência consiste em dizer tudo o que é preciso e em só dizer o que é preciso”, enquanto a incoerência que se seguiu ao não aperto de mão a Carmona nos sugere que “o nosso arrependimento não é tanto um remorso do mal que cometemos, mas um temor daquilo que nos pode acontecer”.

Do debate Prós e Contras (RTP) acerca do tema, sobressaíram a táctica do “se não conseguis convencê-los, confundi-os” (Harry Truman) e a ausência de dialéctica – “a mente é como um pára-quedas: só funciona quando está aberta” (James Dewar). Digamos que a coisa foi interessante, mas demasiado belicosa. O que reclama, forçosamente, Aristóteles: “Qualquer pessoa pode encolerizar-se. É fácil. Mas encolerizar-se com a pessoa certa, no grau certo, no momento certo, pela razão certa e da forma certa - isso não é fácil”.

Churchil dizia que “um pessimista vê uma dificuldade em cada oportunidade; um optimista vê uma oportunidade em cada dificuldade”. Não sendo demasiado pessimista, ofereço o consolo mordaz de Oscar Wilde: “experiência é o nome que cada um dá aos erros que cometeu”.

E termino como comecei – abusando do leitor. Desta feita, para sugerir uma nova leitura dos aforismos propostos, individualmente, sem atender ao contexto. Porque um bom aforismo nunca é uma conclusão, mas um ponto de partida, uma provocação. Um convite à evasão – introspectiva –, que tem de valer por si só. Porque, dizia Jorge Luís Borges, “não há prazer mais complexo que o do pensar”.

terça-feira, agosto 08, 2006

O desafio da especialização

A obsessão com alguns casos de sucesso estrangeiros é, em termos económicos, perniciosa, ao mesmo tempo que agudiza um certo complexo de inferioridade.

Na especialização é que está o ganho. A ideia é popular e muito antiga. A sua celebridade é largamente atribuível a Adam Smith, pela notável descrição, n’A Riqueza das Nações, do modo como a divisão do trabalho permite, através da especialização, ganhos de produtividade que possibilitam um aumento de bem-estar para o próprio e, conquanto que haja trocas livres, também para outros.

É comum reflectir sobre os desafios que o país enfrenta. A tríade “educação, inovação, exportações” é apontada como solução para a “crise”. Cada um dos chavões parece apreciável em si mesmo. Só há um pequeno senão. É que, em Economia - e há Economia sempre que há escolha -, algo apreciável “em si mesmo” é uma vacuidade. O valor é sempre relativo. E isso exige especial atenção ao custo de oportunidade da opção feita, ou seja, ao valor máximo das alternativas de que se abdicou. Porque escolha tomada é sempre escolha rejeitada.

Mais Educação significará menos Saúde, menos Defesa ou menos Obras Públicas. Não há almoços grátis. Ver alguns políticos insistirem na ideia de “projectos indispensáveis ao país”, querendo, na prática, dispensar uma avaliação rigorosa dos custos envolvidos é preocupante. Quem não se lembra de ver Jorge Coelho defender a regionalização a – literalmente – qualquer custo? Ou de ver, a propósito do TGV, semelhante inclinação em José Sócrates? Mas não dispersemos.

Voltando à especialização. O princípio orientador é claro: só obteremos mais valias sustentadas se nos especializarmos em algo diferenciado, “notável”, que tenha uma procura relevante. Na investigação científica não podemos competir com os EUA. A aposta ganhadora passa pelas áreas onde já se possuam vantagens significativas. Nas exportações, o raciocínio é idêntico: a prioridade deverá estar no fortalecimento de “nichos” distintivos.

O turismo merece destaque. Se Portugal é reconhecido como destino preferencial para a organização de conferências ou férias de golfe, isso não deve ser motivo de vergonha, mesmo que outros tenham uma “sofisticada” Nokia. A obsessão com alguns casos de sucesso estrangeiros é, em termos económicos, perniciosa, ao mesmo tempo que agudiza um certo complexo de inferioridade. O discurso da especialização tem de prosperar. É preciso lucidez – e coragem – para renunciar às actividades condenadas ao fracasso.

Indivíduo ou empresa, alguma notoriedade está ao alcance de todos. Nunca, todavia, se a individualidade própria e o contexto envolvente forem ignorados. “Fazer a diferença” exige vontade, mas igualmente uma reflexão estratégica, inter-relacional, que seja descomprometida. No mundo competitivo de hoje “quem tudo quer, tudo perde”. Não se pode ser o melhor em tudo. Melhor apostar na especialização, procurando ser muito bom em poucas coisas. O futuro está aí.