quarta-feira, janeiro 25, 2006

Uma questão de coragem

Maioria absoluta. PR cooperante. Eleições a mais de três anos. Uma receita dificilmente superável. Terá o PM coragem para cumprir o seu dever?

As reformas de que o país necessita são sobejamente conhecidas. Destacaria três: as reformas das relações laborais e do sistema de pensões e a revisão profunda da Constituição. Esta última é especial, por influenciar todo o quadro legislativo. O espírito datado que lhe subjaz – bem patente no seu Preâmbulo, onde se “afirma a decisão do povo português de abrir caminho para uma sociedade socialista” – é um significativo obstáculo aos desafios de hoje. Tudo boas razões para dar a essa revisão uma prioridade elevada. Mas as reformas são mero aperitivo para o que nos motiva hoje: reflectir sobre o futuro quadro relacional entre Presidente da República e Primeiro-Ministro – uma análise que requer uma atenção especial às ambições políticas e restrições à acção de cada um.

Cavaco Silva deixou duas ideias ao eleitorado: a vontade de cooperar com o PM e a preocupação com os direitos sociais. A primeira, dirigida ao centro-direita, indica uma predisposição para sancionar medidas difíceis. A segunda, mais apelativa para o centro-esquerda, sugere uma indisponibilidade para contribuir para que certos direitos adquiridos sejam postos em causa. Portanto: tensão latente. Tendo Cavaco a natural ambição de ser reeleito daqui a cinco anos, terá como restrição principal o cumprimento daquilo que reiterou na sua campanha eleitoral. Com fortes candidatos de centro-esquerda à espreita – Guterres, Vitorino, Freitas do Amaral –, não poderá improvisar muito sobre o tema da moderação.

José Sócrates é inteligente e saberá ler os condicionamentos estratégicos do PR. A sua restrição – que garantirá a sobrevivência do Executivo e a aprovação das suas propostas – é a de ter de “resguardar” Cavaco, evitando dar-lhe um protagonismo excessivo no apoio a medidas governativas por tomar. As ambições são ambivalentes. Sócrates pode sonhar com um lugar da história – fazendo fé no “atrás de mim virá quem de mim bom fará” – ou pode contentar-se com o curto prazo. Se optar pela primeira, que se lembre de Maquiavel quando este aconselhava o Príncipe a tomar todas as medidas difíceis de uma só vez. O óptimo? Avançar com todas elas já em 2006, longe das pressões eleitoral e partidária. Se as adiar, ter-se-á seguramente perdido uma oportunidade única. O Primeiro-Ministro sabe que pode tornar-se numa espécie de “Blair à portuguesa”. Que ele o deseje, não é difícil de adivinhar. Que ele o consiga, é tudo menos líquido. A obsessão pairará sobre Sócrates. Ter ou não ter coragem – eis a questão.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

O dever do próximo PR

O próximo Presidente da República deverá contribuir – no quadro das suas actuais competências – para a “mudança de paradigma” de que o país precisa. Trocar o apelo recorrente “a todos os portugueses” pelo singular “a cada português” seria um bom começo.

Há uma coisa que faz acreditar que o Natal pode ser todos os dias: os discursos presidenciais. Eles são presença certa todo o ano. Sabemos que o carácter não-executivo do PR e a sua eleição por voto directo concorrem para um quadro ideal de influência na esfera política – acima das questões partidárias e menos dependente dos ciclos eleitorais. Hoje, o dever do próximo PR é simples: contribuir para a “autonomização” do cidadão perante o Estado. O português médio é uma criança que vive à sombra do pai-Estado. Depende e gosta de depender dele. Mais: não pondera que isso possa algum dia mudar. Fala – sempre confiante e em alta voz – nos “direitos adquiridos”. No que concerne à esfera económica, esta forma de pensar enferma de um erro básico: pensar na riqueza como um “dado garantido”. Sucede que a riqueza precisa de ser criada para poder ser redistribuída. Não cai do céu. É estranho que para muitos candidatos presidenciais isto seja tão incompreendido, passadas que estão quase duas décadas sobre 1989.

A sabedoria popular diz-nos que “a necessidade aguça o engenho”. O português médio, que não é estúpido, compreenderá que com tantas garantias estatais, e sem sentir necessidade de arriscar ou precaver o seu futuro, o engenho resultante não poderá ser grande. É preciso soltar amarras. O paternalismo estatal exagerado compromete o nosso futuro. Reduzir o peso do Estado não chega. Urge discutir e implementar uma nova “matriz relacional” que tenha por base a liberdade e a responsabilidade individuais. Isto não é – ao contrário do que alguns querem fazer crer – incompatível com uma visão contratualista e (razoavelmente) solidária da sociedade.

Esse “meio termo” ideal não é fácil de encontrar nem certamente de agradar a todos. Nele, para além da responsabilidade individual, a liberdade anda de mãos dadas com o risco – duas coisas que desagradam o português que gosta do papel de “vítima” e que é tão avesso ao empreendorismo. Mas ninguém disse que o desafio era fácil. Apenas urgente. Por isto, o próximo PR deverá deixar uma mensagem simples a cada português: “não perguntes pelo que o país pode fazer por ti, pergunta pelo que tu podes fazer por ti próprio”. O que se joga no dia 22 é muito claro: contribuir, ainda que mitigadamente, para a mudança de paradigma de que Portugal precisa, ou deixar que tudo continue na mesma. O resto são pormenores.